Thursday, December 18, 2008

Corredor Infinito

Compreendendo vários trabalhos de qualidade, o ano de 2008 revelou-se bastante aprazível no que diz respeito à composição de bandas sonoras originais para jogos de vídeo. Cada vez mais importante no processo de produção de um jogo, esta vertente criativa tem vindo a atrair um número crescente de artistas de renome, facto que tem contribuído significantemente para o incremento da qualidade e diversidade da música no âmbito da indústria vídeo lúdica.

Neste contexto, foram vários os artistas que se destacaram durante os últimos meses: de regresso ao universo de TOMB RAIDER, Troels Brun Folmann e o recém-chegado Colin O’Malley encontraram um ponto de equilíbrio seguro onde a nova aventura de Lara se pôde sustentar; apontando para um épico final de uma das mais conhecidas séries, Harry Gregson-Williams foi responsável por uma considerável parte do dramatismo omnipresente em METAL GEAR SOLID 4: GUNS OF THE PATRIOTS; dando continuidade ao estilo que desenvolveu, Motoi Sakuraba expressou grande sentimentalismo na escrita de alguns temas para INFINITE UNDISCOVERY; e, por fim, como resultado da sua larga experiência, Russel Shaw excede-se a si mesmo na segunda entrega de FABLE, desta feita sozinho e sem o mote de Danny Elfman.

Por entre tão aptos exemplos, gostaria de destacar com maior ênfase o trabalho do compositor Hideki Sakamoto (RYU GA GOTOKU 2, RYU GA GOTOKU KENZAN!, AQUANAUT’S HOLIDAY: INSARETA KIROKU) na criação do acompanhamento sonoro de MUGEN KAIROU (ECHOCHROME), um trabalho realizado no estúdio japonês Noisycroak. Posta a difícil tarefa de uma composição que evadisse o conceito redutor de música de fundo para um dos jogos mais desafiantes dos últimos anos, Sakamoto propõe ao jogador uma lista de temas interpretados no seio íntimo de um quarteto de cordas. Com Hitoshi Konno e Nagisa Kiriyama no primeiro e segundo violino, respectivamente, Kazuo Watanabe na viola e Ayano Kasahara no violoncelo, o grupo faz-se acompanhar ainda da soprano Rumiko Kitazono para a interpretação em estilo operático dos temas iniciais das duas versões deste título lançado para a Playstation 3 e para a Playstation Portable.

No auge da sua experiência lúdica, MUGEN KAIROU ostenta conceitos visuais e geométricos complexos através da simplicidade despojada das linhas negras sobre o branco profundo: a reduzida variação cromática, porém, é compensada por uma riquíssima gama de variações num estilo musical que, apesar da compacta gama instrumental, preenche e ornamenta o espaço de jogo. Suportando a ideia prevalecente da geometria e do rigor matemático, todos os temas possuem o título Prime (ou Primária) seguidos de um número único que os caracteriza – uma forma de manter os temas soltos e sem qualquer associação a um título mais descritivo. Se os volumes tridimensionais bem delineados sugerem grande rigor, a superioridade do poder da perspectiva subjectiva face à veracidade numérica também se encontra adequadamente espelhada através dos temas de Sakamoto, intercalando compassos exactos e constantes com alguns devaneios de maior lirismo.


De forma icónica, esta conjunção específica de género vídeo lúdico com estilo musical erudito encontra um paralelo com uma das primeiras produções da Sony Computer Entertainment japonesa, nomeadamente o clássico KURUSHI, de 1997, que contou com uma grandíloqua banda sonora escrita e orquestrada por Takayuki Hattori. De diferente perfil, a obra de Sakamoto apresenta registos que variam com grande subtileza, bem além do abstracto ou do insensível. Enquanto o tema Prime #59 se manifesta com grande pompa e majestade, Prime #19 e #61 são temas de pendor impressionista que recriam os prazeres implícitos de uma promenade pelos trilhos da descoberta. Algum dramatismo emerge em Prime #2 , #3 e #101, culminando numa expressão de maior romantismo e ímpeto em Prime #9973 – provas definitivas de que não se tratam de composições musicais impassíveis e sem uma alma. A vocalização de alguns temas, de resto, remete para uma clara tentativa de dinamizar uma componente mais humana que existe de facto num jogo aparentemente reduzido a formas poligonais simbólicas.

Desde o ano de 2006, portador da magnum opus de Yutaka Minobe para RULE OF ROSE, que o poder cru das cordas não se fazia ouvir de forma tão pura e cristalina. Hideki Sakamoto atingiu, em pleno, o seu objectivo principal com a criação deste trabalho tão refinado, remetendo a categoria de “música para jogos de vídeo” até novos estilos contemporâneos, com uma elevadíssima qualidade de composição e execução. O facto de ECHOCHROME ser um dos títulos mais notáveis no contexto deste ano em boa parte se deverá ao charme deste singular conjunto de melodias absorventes e emocionantes.

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