Thursday, December 27, 2007

Mundos Esquecidos Parte III - Sentient: Explore the Infinite



Existe um charme inerente aos jogos ousados de pequena produção, sobretudo aqueles que ficam completamente perdidos nas peneiras do tempo, implorando a sua redescoberta. SENTIENT: EXPLORE THE INFINITE é o paradigma do jogo arrojado, à frente do seu tempo e que teve pouca difusão na sua época, acabando como um tesouro perdido num qualquer lugar remoto. Hoje desenterramos esse tesouro e removemos dele as marcas do tempo.

Por detrás da premissa simples e Roddenberryiana, o jogo da Psygnosis desenrola-se na estação espacial Icarus, à qual o nosso personagem, um médico, foi convocado para investigar uma fuga de material radioactivo e os seus efeitos na tripulação da nave. Para agravar o estado da situação, o assassinato do Capitão e a estranha perda de controlo sobre esta estação, desta forma em iminente colisão com o Sol, semeiam a hostilidade e pânico entre sua população. Afastado do seu objectivo original, cabe ao jogador equilibrar a personagem entre duas vertentes de um mesmo dilema: procurar a nossa salvação ou a de todos.

Embora tenha sido erguido na plenitude em três dimensões, SENTIENT recorda os velhos jogos de aventura de texto, ou interactive fiction, pelo seu ímpar gerador de orações: é possível perguntar, virtualmente, qualquer pergunta aos tripulantes dentro do contexto do jogo. Numa caixa de palavras podemos escolher de forma rápida e organizada os verbos, nomes, pronomes ou advérbios com que formar uma frase -uma variação refrescante do estilo de perguntas preestabelecidas de valor positivo ou negativo, tão consagradas em jogos como FALLOUT ou KNIGHTS OF THE OLD REPUBLIC.

Também a interacção com os objectos é feita de forma organizada, sobretudo quando o jogador opera mecanismos complexos aos quais deve dar instruções precisas. Dado o limite de tempo do jogo, é crucial que não seja cometido nenhum erro que possa apressar o nosso encontro com a morte.

Não obstante da simplicidade das animações, que inclusivamente na altura pareciam rudes, as personagens apresentam expressões faciais de acordo com as suas emoções e possuem um aspecto de certa forma credível: tratam-se de representações de pessoas vulgares, não de personagens sobre desenvolvidos que nos recordam permanentemente que habitamos num mundo irreal. Cada uma possui uma personalidade distinta e que se reflecte na forma como interagem connosco, como respondem às nossas questões e como reagem às nossas afirmações. E é neste âmbito que o jogador forja as relações de confiança/desconfiança com a população.

Outro aspecto notável é a criação de uma dimensão interior para a personagem, viajando entre diferentes planos da consciência e da realidade: um impressionante contraste para o jogador que tão depressa se encontra nos intermináveis corredores de uma estação espacial como na ilusão de um labirinto do estilo grego, com o céu aberto e montanhas como pano de fundo.

Numa nota mais pessoal, ainda recordo vivamente a primeira vez que joguei o jogo na sua versão de demonstração no ano de 97. Tratou-se de um passo à frente na forma como se podia interpretar um espaço virtual e a interacção com non playable characters, o refinamento de décadas de jogos de aventura outrora caracterizados pelos seus ecrãs negros ou imagens estáticas. Também o elemento murder mystery, recordando os velhos policiais, funciona surpreendentemente bem neste ambiente de ficção-científica.

SENTIENT é um dos jogos mais importantes dos inícios da PSX e um dos últimos grandes títulos desse estranho estúdio que foi a Psygnosis. Numa secção que procura reintroduzir jogos de qualidade, incompreendidos e impopulares, não poderia existir mais flagrante e inevitável escolha.

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