Existe um charme inerente aos jogos ousados de pequena produção, sobretudo aqueles que ficam completamente perdidos nas peneiras do tempo, implorando a sua redescoberta. SENTIENT: EXPLORE THE INFINITE é o paradigma do jogo arrojado, à frente do seu tempo e que teve pouca difusão na sua época, acabando como um tesouro perdido num qualquer lugar remoto. Hoje desenterramos esse tesouro e removemos dele as marcas do tempo.
Por detrás da premissa simples e Roddenberryiana, o jogo da Psygnosis desenrola-se na estação espacial Icarus, à qual o nosso personagem, um médico, foi convocado para investigar uma fuga de material radioactivo e os seus efeitos na tripulação da nave.
Embora tenha sido erguido na plenitude em três dimensões, SENTIENT recorda os velhos jogos de aventura de texto, ou interactive fiction, pelo seu ímpar gerador de orações: é possível perguntar, virtualmente, qualquer pergunta aos tripulantes dentro do contexto do jogo. Numa caixa de palavras podemos escolher de forma rápida e organizada os verbos, nomes, pronomes ou advérbios com que formar uma frase -uma variação refrescante do estilo de perguntas preestabelecidas de valor positivo ou negativo, tão consagradas em jogos como FALLOUT ou KNIGHTS OF THE OLD REPUBLIC.
Também a interacção com os objectos é feita de forma organizada, sobretudo quando o jogador opera mecanismos complexos aos quais deve dar instruções precisas. Dado o limite de tempo do jogo, é crucial que não seja cometido nenhum erro que possa apressar o nosso encontro com a morte.
Não obstante da simplicidade das animações, que inclusivamente na altura pareciam rudes, as personagens apresentam expressões faciais de acordo com as suas emoções e possuem um aspecto de certa forma credível: tratam-se de representações de pessoas vulgares, não de personagens sobre desenvolvidos que nos recordam permanentemente que habitamos num mundo irreal. Cada uma possui uma personalidade distinta e que se reflecte na forma como interagem connosco, como respondem às nossas questões e como reagem às nossas afirmações. E é neste âmbito que o jogador forja as relações de confiança/desconfiança com a população.
Outro aspecto notável é a criação de uma dimensão interior para a personagem, viajando entre diferentes planos da consciência e da realidade: um impressionante contraste para o jogador que tão depressa se encontra nos intermináveis corredores de uma estação espacial como na ilusão de um labirinto do estilo grego, com o céu aberto e montanhas como pano de fundo.
Numa nota mais pessoal, ainda recordo vivamente a primeira vez que joguei o jogo na sua versão de demonstração no ano de 97. Tratou-se de um passo à frente na forma como se podia interpretar um espaço virtual e a interacção com non playable characters, o refinamento de décadas de jogos de aventura outrora caracterizados pelos seus ecrãs negros ou imagens estáticas. Também o elemento murder mystery, recordando os velhos policiais, funciona surpreendentemente bem neste ambiente de ficção-científica.
SENTIENT é um dos jogos mais importantes dos inícios da PSX e um dos últimos grandes títulos desse estranho estúdio que foi a Psygnosis. Numa secção que procura reintroduzir jogos de qualidade, incompreendidos e impopulares, não poderia existir mais flagrante e inevitável escolha.
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