Sunday, September 21, 2008

Wiebe versus Mitchell


O primeiro êxito de arcade da história, PONG de Al Alcorn e Nolan Bushnell, propunha uma modalidade de competição apenas acessível a dois jogadores simultâneos. A contrastar com o ecrã negro e apagado desenhavam-se dois traços brancos a representar cada um dos oponentes, enquanto que uma linha vertical dividia o campo de jogo e um diminuto quadrado branco movimentava-se pelo monitor representando a bola, agente do caos.

Com jogos posteriores como BREAKOUT, Steve Jobs e Steve Wozniak implementaram, para além do primeiro jogo a cores da história, a experiência single player por excelência, onde o objectivo era dominar um puzzle abstracto de peças, verticalizando a configuração formal do jogo de Bushnell e Alcorn: os tijolos agrupados substituíram o oponente humano, reforçando-se o conceito de jogo como entretenimento subjectivo, numa partilha directa entre o jogador e o sistema.


A partir do exemplo das máquinas de pinball foi mais tarde implementado o conceito de 'pontuação máxima', estreado com SEA WOLF (1976, Midway), mais tarde reinventado com a possibilidade de assinar o recorde com o jogo STAR FIRE (1980, Exidy). Com a inserção das iniciais, as pontuações em letras vivas e coloridas sobre o negro frio dos ecrãs passaram a ter um novo impacto entre os jogadores, na medida em que só os mais extraordinários resultados figuravam e permaneciam nas tabelas. Davam-se os primeiros passos rumo à era do high score, essa máxima omnipresente nos domínios do coin-op.


Explorando o submundo das competições de clássicos do jogo arcade, THE KING OF KONG - A FISTFUL OF QUARTERS parte de um episódio mítico para a história dos videojogos, onde a Life Magazine convidou, no final de 1982, os recordistas dos mais populares títulos dos salões recreativos para uma sessão fotográfica na cidade de Iowa. Billy Mitchel, na altura um jovem que fazia a sua vida nestes salões, apareceu como o recordista do jogo CENTIPEDE, ainda que o seu recorde também constasse do jogo DONKEY KONG - visto neste meio como o jogo mais desafiante de toda a história.


Durante anos, Mitchell permaneceu ligado ao mundo das competições, após receber o prémio de Jogador do Século e de se tornar um valioso amigo do grupo Twin Galaxies, uma associação fundada por Walter Day com o objectivo inédito de registar, comprovar e guardar os recordes atingidos em jogos electrónicos. O seu recorde em DONKEY KONG, de 874.300 pontos (atingido pouco tempo depois do artigo da Life em 1982) permaneceu intocado durante décadas - na opinião de muitos, a marca mais alta que alguma vez se poderia atingir no jogo da Nintendo.


Porém o protagonismo do documentário de Seth Gordon recai sobre Steve Wiebe, um jogador assíduo porém desconhecido entre os grupos de entusiastas do mundo
arcade, que após uma visita à página de Internet da Twin Galaxies decidiu escrever as suas iniciais na tabela de high score de DONKEY KONG, precisamente na posição mais alta, destronando a velha marca de Mitchell, um dogma no mundo do arcade classic gaming. Longe de saudável, a competição entre ambos os jogadores torna-se uma jornada de elevado desgaste físico e psicológico.


Por debaixo da aparente idiotice e imaturidade da competição e de alguns dos seus participantes, THE KING OF KONG explora alguns aspectos mais profundos não só da sociedade de jogadores - responde à pergunta frequentemente proposta sobre o que aconteceu aos velhos repetentes dos salões de jogos após a época de ouro e a mutação dos hábitos do vídeojogador - como da própria sociedade Norte-Americana e do inculcamento do hábito de competição e de reverência pelo papel de vencedor. Ao evitar uma focagem directa sobre os jogos ou questões de fundo relativas à indústria, divagando em análises ou recapitulações, o filme releva a dimensão humana, familiar e sociológica congénita dos jogo de vídeo, enquanto enfatiza o esforço coordenado que os primeiros êxitos dos salões recreativos exigiam.


Como seria de esperar de um documentário desta natureza, A FISTFUL OF QUARTERS é um exercício fílmico parcial que manipula inofensivamente o espectador. Longe de estereotipados, os seus intervenientes são pessoas reais cuja ligação de longa data com o fenómeno vídeo lúdico surtiu efeitos na forma como exercem os seus estilos de vida, por vezes alternativos ou aberrantes. Em última análise, é esse o grande feito do filme de Green, um retrato de grupo de diversas pessoas unidas pelo facto de terem sido membros pioneiros nos inícios da indústria, confrontados com a obrigação de se inserirem numa sociedade que não compreende as suas origens culturais.


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