Wednesday, February 27, 2008

Mundos Esquecidos Parte IV - Kurushi



KURUSHI pode ser considerado uma obra-modelo, um jogo exemplar, no sentido em que incorpora na íntegra o espírito com que os estúdios da Sony Computer Entertainment abordaram o design dos seus primeiros projectos - os títulos cuja imagem iria espelhar a da própria consola que labutava para se assumir no mercado. Conhecido como I.Q. no resto do mundo, sigla que corresponde a Intelligent Qube, todo o jogo parte de uma síntese de contornos simples, porém capazes de gerar e sugerir situações complexas. Um personagem anónimo deambula por uma plataforma composta de formas cúbicas vivas e em constante remodelação: estruturas poligonais que marcham num ritmo incessante de encontro ao nosso personagem.

A primeira escolha anómala na concepção deste puzzle game provém precisamente da decisão de incluir um personagem humano em vez de um ícone como forma de percorrer as quadrículas e executar a acção de plantar um mecanismo no chão que mais tarde poderá ser detonado, removendo um dos cubos. O objectivo final é o de obstar a investida de peças que se movem na nossa direcção,consumindo o espaço onde o jogador se pode mover, eliminando os blocos da forma mais ajustada a cada nova formação.

Em nenhum caso se poderá considerar KURUSHI um jogo simples, antes um título de apresentação minimalista, onde todos os elementos são reduzidos ao mínimo, não restando espaço para excedentes: o espaço de jogo não procura preencher o fundo profundamente negro que abraça os volumes geométricos nos quais jogamos; os menus são de uma simplicidade funcional quase inusitada num jogo de vídeo até então; e a única distinção visual entre diversos níveis reside nas variações de cor: tonalidades esmorecidas que não extravasam o espectro do cinzento ou azuis esbatidos que se perpetuam no ecrã.

Contrastando com a leveza formal dos visuais de KURUSHI encontra-se um trabalho de orquestração composto por Takayuki Hattori, respeitado compositor japonês aqui na sua primeira e única (?) participação num jogo de vídeo. A sua qualidade é de tal forma elevada que os meros adjectivos se tornam limitativos na sua descrição: um trabalho dividido entre diversas secções da orquestra com particular relevo para a desenvoltura coral de feições heróicas. A associação de um trabalho musical tão elaborado a um mecanismo interactivo desta natureza elementar revela grande sagacidade por parte dos seus criadores.

Frequentemente o jogador se interrogará sobre a real identidade daquele personagem humano que se desvia dos blocos, tentando estabelecer numerosas possibilidades que justifiquem a sua presença num mundo tão opressivo e isolado como aquele que habita. Mas se algures pelo meio este perde a esperança de encontrar algo remotamente semelhante a uma explicação, então o final apoteótico e insólito do jogo faculta uma questão que flutuará, decerto, nas mentes de todos aqueles que aceitaram o repto de terminar um dos mais intrigantes puzzle games da história, onde nada nasce do caos: cada desafio é meticulosamente preparado para o nosso deleite.

KURUSHI, assim como a reedição definitiva do jogo (intitulada KURUSHI FINAL), definiram um novo género de seriedade e integridade num jogo de consola, onde o objectivo principal ultrapassa o conceito de jogar e do prazer deste acto derivado, mas também na proposição de outras filosofias como, neste caso, a própria condição existencial do Homem como objecto do controlo de uma qualquer outra entidade ignota ou imaterial. Na sua essência, KURUSHI assume-se como aquilo que realmente é: uma simulação decorrente da evolução tecnológica, um espaço sem restrições onde também o Homem, no papel do comum jogador, pode tomar o papel de entidade dominante.


3 comments:

Anonymous said...

Há uns tempos andem atrás deste jogo que sempre me despertou algum interesse. Acho que eventualmente vou ter que o comprar online se o quizer jogar. Ainda resisto um bocado a pagamentos online, talvez sem razão.

Mudei o meu blog para o serviço Blogger. O wordpress é muito restrictivo do ponto de vista de cores e layout.

E(h)ndow

Dieubussy said...

Ai esse português, Ehndow!

O jogo não é simples de encontrar e pelo menos no mercado norte-americano é um visto como um dos mais raros. Para mim, vale cada cêntimo, ainda que nem todos o possam pensar, este é um dos melhores do seu género.

Já estou a ver o teu novo blog: de facto muito mais interessante, visualmente, do que o anterior.

Obrigado pelo comentário.

Anonymous said...

O que foi?? É o "quizer"? :P
Por acaso foi um typo (Z está demasiado perto do S). Escrever depressa...é o que dá. :P