Completa-se neste ano de 2009 a primeira década de ISABELLE, o plano de jogo renovador de Thomas Cheysson e do seu estúdio Belisa, sediado em França. Editado já num irreversível período de declínio da école du jeu vidéo français, este título pode hoje ser recordado como uma derradeira manifestação da mesma irreverência que motivou jogos tão fundamentais como ANOTHER WORLD or LITTLE BIG ADVENTURE. Posta a actual importância e interesse geral no fenómeno do jogo independente, torna-se imperativa a revisão deste ponto de referência histórico, perfeitamente inserível num grupo de obras que desafiam a previsibilidade dos modelos predominantes. Ainda que a sua visão plenamente artística não tenha cativado a plena atenção do público, coube à crítica a sublimação dos seus dotes estéticos e ímpeto reformador: qualidades que lhe valeram dois prémios Möbius e causaram grande frisson no Festival Millia em Cannes.
Após uma carreira no cinema experimental onde trabalhou como argumentista ao lado de realizadores como Michel Piccoli, Cheysson forma um pequeno grupo para um projecto que à partida prescinde de qualquer margem de lucro financeiro, abrindo desta forma as portas para a concepção de um entorno de jogo experimental e inusitado dentro e fora do género de aventura no seu ano de lançamento – muito antes da expressão indie ter substituído o uso de termos como shareware ou freeware.
Não obstante da grande ênfase concedida no processo da criação dos aspectos técnicos do jogo, é a inserção da narrativa que cria um profundo abismo entre ISABELLE e os demais jogos de vídeo do seu tempo: permanece louvável a tentativa de criar um mundo de personagens autónomas que se parecem adaptar à participação do jogador . Mesmo que uma linha nuclear de eventos permaneça inevitável, o espaço aberto e quase isento de objectivos disponibiliza uma experiência de jogo livre, onde a exploração suplanta a recolha de itens, ou onde a interacção inesperada com as personagens renega as escolhas múltiplas por entre complexas árvores de diálogo.
O decurso da experiência de jogo prevê diversas progressões da narração efectuada na forma de diálogo entre George e a sua companheira Isabelle, escritos e interpretados numa ingenuidade semelhante à do cinema da nouvelle vague francesa, numa vã contenda que denuncia a instabilidade emocional dos seus intervenientes. A escolha de novos rumos traduz-se na exposição de distinctos fragmentos de um colóquio recorrente entre dois amantes cuja relação atormentada decorre no seio de uma cidade refreada pela opressão do seu líder; evocando a imagem da distopia futurista como cenário para os dramas (inter)pessoais dos seus protagonistas.
Confluindo diferentes influências que legitimam o seu destaque, a arte visual do jogo adorna-se de soluções Neoplasticistas - aproximando as raízes De Stijl com a subsequente proposta do Elementarismo - assim como de natureza Expressionista: permanecendo eveidente a sublevação contra as técnicas de texturização poligonal já dominantes no ano da sua criação. ISABELLE, num exercício visual de polígonos rasos e despojados, deixa a sua arte visual ao critério da dimensão subjectiva dos seus interveninentes: George, destituído da sua percepção visual, habita num espectro da realidade de tons escuros e frios, de sombras chinesas e de uma hostilidade omnipresente, o nítido reflexo da sua personalidade timorata; Raymond, o carinhoso irmão mais novo, habita num mundo de inocência profusamente colorido, de matizes enérgicas e altos contrastes.
Integrado num período de evidente transição geracional, ISABELLE alcançou uma característica rara num meio ou indústria de constante renovação ao se tornar uma obra intemporal e sem precedente. Como trabalho executado por grupo de criadores que optaram conscientemente pelo meio vídeolúdico como veículo de expressão artística, este título adulto e ponderado desbrava um caminho alternativo de experimentalismo intrépido que apenas um número reservado de criadores ousou percorrer ou aprofundar desde então.