Monday, February 16, 2009

Isabelle, ou o efeito emocional


Completa-se neste ano de 2009 a primeira década de ISABELLE, o plano de jogo renovador de Thomas Cheysson e do seu estúdio Belisa, sediado em França. Editado já num irreversível período de declínio da école du jeu vidéo français, este título pode hoje ser recordado como uma derradeira manifestação da mesma irreverência que motivou jogos tão fundamentais como ANOTHER WORLD or LITTLE BIG ADVENTURE. Posta a actual importância e interesse geral no fenómeno do jogo independente, torna-se imperativa a revisão deste ponto de referência histórico, perfeitamente inserível num grupo de obras que desafiam a previsibilidade dos modelos predominantes. Ainda que a sua visão plenamente artística não tenha cativado a plena atenção do público, coube à crítica a sublimação dos seus dotes estéticos e ímpeto reformador: qualidades que lhe valeram dois prémios Möbius e causaram grande frisson no Festival Millia em Cannes.

Após uma carreira no cinema experimental onde trabalhou como argumentista ao lado de realizadores como Michel Piccoli, Cheysson forma um pequeno grupo para um projecto que à partida prescinde de qualquer margem de lucro financeiro, abrindo desta forma as portas para a concepção de um entorno de jogo experimental e inusitado dentro e fora do género de aventura no seu ano de lançamento – muito antes da expressão indie ter substituído o uso de termos como shareware ou freeware.

Não obstante da grande ênfase concedida no processo da criação dos aspectos técnicos do jogo, é a inserção da narrativa que cria um profundo abismo entre ISABELLE e os demais jogos de vídeo do seu tempo: permanece louvável a tentativa de criar um mundo de personagens autónomas que se parecem adaptar à participação do jogador . Mesmo que uma linha nuclear de eventos permaneça inevitável, o espaço aberto e quase isento de objectivos disponibiliza uma experiência de jogo livre, onde a exploração suplanta a recolha de itens, ou onde a interacção inesperada com as personagens renega as escolhas múltiplas por entre complexas árvores de diálogo.

O decurso da experiência de jogo prevê diversas progressões da narração efectuada na forma de diálogo entre George e a sua companheira Isabelle, escritos e interpretados numa ingenuidade semelhante à do cinema da nouvelle vague francesa, numa vã contenda que denuncia a instabilidade emocional dos seus intervenientes. A escolha de novos rumos traduz-se na exposição de distinctos fragmentos de um colóquio recorrente entre dois amantes cuja relação atormentada decorre no seio de uma cidade refreada pela opressão do seu líder; evocando a imagem da distopia futurista como cenário para os dramas (inter)pessoais dos seus protagonistas.

Confluindo diferentes influências que legitimam o seu destaque, a arte visual do jogo adorna-se de soluções Neoplasticistas - aproximando as raízes De Stijl com a subsequente proposta do Elementarismo - assim como de natureza Expressionista: permanecendo eveidente a sublevação contra as técnicas de texturização poligonal já dominantes no ano da sua criação. ISABELLE, num exercício visual de polígonos rasos e despojados, deixa a sua arte visual ao critério da dimensão subjectiva dos seus interveninentes: George, destituído da sua percepção visual, habita num espectro da realidade de tons escuros e frios, de sombras chinesas e de uma hostilidade omnipresente, o nítido reflexo da sua personalidade timorata; Raymond, o carinhoso irmão mais novo, habita num mundo de inocência profusamente colorido, de matizes enérgicas e altos contrastes.

Integrado num período de evidente transição geracional, ISABELLE alcançou uma característica rara num meio ou indústria de constante renovação ao se tornar uma obra intemporal e sem precedente. Como trabalho executado por grupo de criadores que optaram conscientemente pelo meio vídeolúdico como veículo de expressão artística, este título adulto e ponderado desbrava um caminho alternativo de experimentalismo intrépido que apenas um número reservado de criadores ousou percorrer ou aprofundar desde então.

Saturday, February 14, 2009

Q4


Friday, February 6, 2009

Under the influence



A partir de 1975, a Atari viveu um momento de prosperidade derivado do sucesso de vendas da versão caseira do jogo PONG, conhecido por HOME PONG ou Sears Tele-Games, já depois do contrato milionário entre a empresa Californiana e a cadeia de lojas que abrangia todo o continente Norte-Americano. Robert Brown, um dos iniciadores desta primeira consola de jogos doméstica da Atari, pertencia ao departamento de R&D onde a sua função se centrava na criação de novas tecnologias que pudessem ser transformadas pela empresa em produtos comercializáveis. Em 1976 Bob produz uma das suas invenções mais visionárias que viria a receber o nome de Atari Video Music.

Baseado num sistema analógico numa época de transição para a utilização de micro componentes digitais no domínio do home entertainment, o processador de efeitos visuais de Robert Brown tentou unir som com imagem gerada em tempo real. Conectando o dispositivo a uma comum aparelhagem, o utilizador poderia desfrutar de uma série de imagens projectadas no ecrã da televisão, um exercício precursor dos actuais plug-ins vulgarmente incluídos em qualquer software de reprodução musical. Lançado ainda antes da Atari VCS, a AVM produzia complexas manifestações gráficas (ver vídeo demonstrativo), fruindo não apenas de uma larga gama de cores, mas também de uma rapidez impensável no processamento de formas geométricas cujos efeitos estariam dependentes da música utilizada - um sistema sinestético que fazia a sua própria interpretação da música traduzida em imagens abstractas. Alguns ajustes eram possíveis, como demonstrados nesta digitalização do manual de instruções (via Atari Museum).


Segundo Scott Cohen no seu livro
Zap: The Rise and Fall of Atari, quando o protótipo do Video Music foi revelado, alguns dos responsáveis da Sears perguntaram a Nolan Bushnell o que é que os trabalhadores da Atari andavam a fumar: diz a lenda que Bob Brown apareceu na sala nesse preciso momento com um charro aceso. Um dos elementos-chave do processo de comercialização passou pela apresentação do produto cujo design se encontrava em consonância com o estilo dominante em sistemas áudio da época: painel cromado com reguladores e botões, reforçados com acabamentos em madeira. Ainda assim, a sua permanência no mercado não excedeu o primeiro ano, sendo hoje um produto raro e de valor comercial elevado.

O processamento de imagens em função da escolha musical do utilizador permeou áreas tão diversificadas como a música, televisão e video art - um aproveitamento ao qual a indústria dos jogos de vídeo também não foi alheia. Um exemplo deliberado encontra-se na obra de Jeff Minter, esse falso profeta dos jogos de vídeo cuja obra subsiste de duas influências maiores: TEMPEST, de David Theurer; e os efeitos visuais psicadélicos que este mecanismo instaurou. Observando atentamente os comportamentos do sistema Virtual Light Machine, independentemente da versão deste programa e da sua inclusão em diferentes jogos de vídeo da Llamasoft, torna-se claro o nível da influência que o delírio de Brown produziu sobre Minter – sendo o último frequentemente citado como o introdutor da era do visual plugin.


Ironicamente, este objecto obscuro da geração dos anos 70 recorda o quão fina é a linha entre o revolucionário e o redundante. Como tantas outras criações incompreendidas do seu tempo, produz um interessante testemunho de como a evolução dos tempos origina novas predisposições e extingue, lentamente, os preconceitos. A sua relevância actual, para além do objecto de culto da defunta Atari de Bushnell, adiciona mais uma entrada na categoria de ideias falhadas que viriam a angariar a atenção e sincera admiração de um grande público décadas mais tarde.


Tuesday, February 3, 2009

Videogame Classics, por Olly Moss



Não muito distante da indústria cinematográfica ou musical, a comercialização dos jogos de vídeo não prescinde da sua natureza como objecto de venda ao público: apesar das alternativas cada vez mais viáveis, segue sendo uma prática comum a distribuição dos jogos em formato físico, seja em cartucho ou disco compacto, assim como a sua inclusão numa embalagem condizente. Desde os tempos mais remotos deste novo meio que o apelo de um jogo, do ponto de vista do jogador que faz a triagem entre diversas opções ao seu dispor, se encontra em boa parte dependente da escolha visual utilizada na sua apresentação: neste contexto, a capa de um determinado título pode veicular uma imagem tão ilustrativa e poderosa ao ponto de condicionar a escolha do consumidor, inclusivamente o mais informado.

Durante décadas, diferentes estilos foram utilizados e reciclados de forma a produzir noções visuais com as quais os jogadores criassem associações: determinadas fontes de letra remetem de imediato a um título específico ou personagem que o protagoniza; as combinações de cores emitem mensagens simbólicas de absorção imediata, transmitindo uma série de ideias prévias sobre o jogo que a ilustração ou montagem envolve; a escolha dos títulos, descrições ou mesmo dos louvores recebidos por um jogo são aspectos essenciais ao processo de criação e comercialização dos jogos de vídeo enquanto produtos.

Se o design da imagem de capa de um determinado jogo deveria continuar a ser um estágio vital da cadeia de marketing, o estado actual do sector, conformado com a sua própria mediocridade, em muito se deve ao surgimento e proliferação de canais de divulgação online - a facilidade de acesso a diversos aspectos técnicos e descritivos precede frequentemente a aquisição de videojogos na actualidade. Torna-se quase dispensável a função outrora essencial de impressionar o público com uma imagem frontal distinta propondo, por vezes, um exagero da verdadeira experiência de jogo.

Associando os jogos de vídeo com um formato de publicações familiar ao género da literatura, Olly Moss, um jovem designer britânico, iniciou uma série de capas de jogos alternativas que, através de uma expressão plástica de mensagem simples, oscilam entre o seu pendor humorista e a imprevisibilidade da sua execução, adornada com referências gráficas ao trabalho do mestre Saul Bass. Partindo da feição austera das velhas publicações Penguin Classics, concebida por Phil Baines, Moss tenta capturar os elementos imagéticos ou sensoriais mais comummente associados a cada um dos exemplos que elege como base de trabalho, tratando-os mediante uma estética que precede em várias décadas a própria tecnologia dos jogos de vídeo. A raiz do fascínio das suas composições localiza-se de forma precisa no anacronismo dos recursos estilísticos, díspares e inesperados, contudo inteligentes e de uma elegância contagiante.

Os restantes exercícios de Olly Moss podem-se encontrar a partir da sua galeria de imagens.