Monday, November 26, 2007

Mundos Esquecidos Parte II - Call of Cthulhu - Dark Corners of the Earth




The most merciful thing in the world, I think, is the inability of the human mind to correlate all its contents. We live on a placid island of ignorance amidst the black seas of infinity; and it was not meant that we should stray far.

H.P. Lovecraft (Call of Cthulhu)


Inspirado por seres mitológicos como o Leviatã ou o Kraken, Cthulhu é um dos mais célebres símbolos ficcionais do temor secular do Homem pelos monstros marítimos. Idealizado por H.P. Lovecraft num conto de 1928, este ser extraterrestre alado pertence ao grupo gos Grandes Antigos, um grupo de criaturas que, no universo ficcional deste escritor, povoaram a terra milhares de anos antes de esta ser habitável para os demais seres vivos.

Várias adaptações da obra deste mestre têm vindo a ser feitas ao longo dos tempos. No caso dos videojogos encontramos SHADOW OF THE COMET e PRISIONER OF ICE, dois jogos de aventura de excelente qualidade criados em 1993 e 95 pela Chaosium e editados pela Infogrames. Aparte destas duas recriações originais, jogos como ALONE IN THE DARK, NECRONOMICON e ETERNAL DARKNESS, entre dezenas de outros títulos, não escondem a grande influência dos escritos do autor norte-americano.

CALL OF CTHULHU: DARK CORNERS OF THE EARTH é um título de PC e XBOX lançado pela Bethesda Softworks e criado pela HeadFirst Productions como primeira parte de uma trilogia cancelada devido aos seus pobres resultados financeiros. Tomando como base não apenas a obra de Lovecraft mas também o RPG de tabuleiro criado por Sandy Petersen e Lynn Willis, o jogo conta uma história sobre o confronto entre um homem e o sobrenatural. Encarnamos a personagem de Jack Walters, um detective que enlouquece e é internado num hospício após uma série de episódios sem explicação. Tudo começa com um raid a uma casa onde se encontra barricado um estranho culto. O jogo prossegue numa investigação em Innsmouth, uma pequena cidade costeira onde Dagon, outra criatura mítica do grupo dos Grandes Antigos, fez um pacto com a população; em troca de peixe e ouro em abundância, sacrifícios humanos teriam de ser feitos. Também as mulheres da localidade eram oferecidas a Dagon para que originassem os seus filhos. A cidade protege em secretismo o culto de Dagon assim como os híbridos. A presença de um estranho investigando um assassinato despoleta a desconfiança dos habitantes que, numa desperada tentativa de manter em segredo as suas práticas, armam uma cilada a Walters. A trama estende-se até aos mais elevados órgãos do governo e, como não poderia deixar de ser, até àquela incógnita e impressionante criatura que é Cthulhu.

Se o início do jogo é uma experiência deliberadamente confusa, pela forma como a história é contada recorrendo a flashbacks e à sobreposição de camadas espaciais e temporais, tudo começa a fazer um terrível sentido a partir do momento em que as palavras "Escape From Innsmouth" se lêem no ecrã. Não existe, simplesmente, nenhum outro jogo onde a palavra sobrevivência tenha um sentido tão verdadeiro. Após a hostilidade com que somos recebidos na pequena localidade, somos acordados a meio da noite por um grupo de habitantes armados que se dirige ao nosso quarto para apressar o nosso encontro com a morte. Esta extensa fase do jogo representa uma noite inteira de evasão e puro medo (!), enquanto corremos e nos agachamos em cada recanto das ruas e becos da povoação. A sua extrema dificuldade inflama o sentido de terror, assim como a respiração nervosa do nosso personagem, o trepidante acompanhamento sonoro e o inovador sistema de sanidade. Em certas ocasiões iremos notar que a imagem perde a focagem precisamente no momento em que olhamos para baixo a partir de um lugar elevado, uma recriação do sentimento de vertigem absolutamente inédita. Falamos de um dos poucos jogos onde a posse de uma arma não implica invulnerabilidade, antes pelo contrário, pode oferecer ao jogador um falso sentido de confiança que se dissipa quando nos apercebemos que um revólver ou uma caçadeira de nada serve contra as dezenas de inimigos que nos perseguem. A melhor forma de iludir o perigo é evitá-lo mantendo a nossa presença por anunciar.

Todo o jogo transpira altos valores de produção e excede largamente a média devido ao impressionante texture mapping que ostenta, em ocasiões as melhores texturas que podem ser vistas na XBOX. Por sua vez, o storytelling e mecânica de jogo foram tão influentes que em poucos anos já se podem falar em derivados, senão vejamos PENUMBRA: OVERTURE ou THE DARKNESS.

DARK CORNERS OF THE EARTH é o paradigma moderno de um fabuloso mundo vídeo lúdico esquecido, ignorado e injustiçado. A forma como expõe a sua impressionante história e o seu magnífico desfecho seriam suficientes para que o jogo fosse digno de menção honrosa. Uma criação como estas implorava não apenas melhor divulgação e apreço crítico mas também um reforço financeiro de forma a que a equipa pudesse levar a cabo o seu projecto na totalidade. No entanto, o resultado foi uma série de culto inacabada, pronta para se juntar ao panteão de sagas assassinadas precocemente pela imperdoável máquina comercial. Mesmo o prémio de "Best Game No One Played" da Edge não foi suficiente para aumentar o interesse público do jogo e salvar o estúdio da falência. Para trás ficam BEYOND THE MOUNTAINS OF MADNESS e DESTINY'S END, meros títulos sobre os quais apenas podemos teorizar.

2 comments:

Anonymous said...

Em relação a Lovecraft, podia acrescentar a referência ao filme Dagon, e os recentes jogos para PC Sherlock Holmes: The Awakened, e o recém-chegado Darkness Within: In Pursuit of Loath Nolder.
A Dark Corners of the Earth também se junta Thief 3:Deadly Shadows, e Chronicles of Riddick na lista de jogos ignorados...uma pena,pois são a "crème de la crème" dos videojogos.

Dieubussy said...

Obrigado pelo comentário. Ambos os jogos mencionados estão perfeitamente dentro da esfera de influências do velho H.P. e são, efectivamente, dois produtos de grande qualidade. Na verdade existem tantos jogos derivados da sua obra que seria maçador fazer menção a todos eles, não concordas?

Creio a injustiça recai sobre o jogo da Headfirst e não sobre o próprio Lovecraft. A sua obra é tida em conta como referência da literatura de horror e do sobrenatural dentro dos mais altos ciclos literários. O jogo, em si um trabalho muito pessoal e revelador de um projecto muito acarinhado pelo seu estúdio, fica como exemplo que a grande comunidade dos jogadores ainda não está pronta para tolerar e digerir produtos com este teor.

Comparativamente a Thief e Riddick, diria que Cthulhu ainda ficou um pouco mais atrás em termos de popularidade e índice de vendas... apesar de compreender perfeitamente a comparação: são jogos de altíssima qualidade, originais e inovadores no seu terreno, independentemente das opiniões e críticas.