Sunday, January 20, 2008

Vid Kid



Segue sendo relevante o debate sobre as verdadeiras consequências do impacto que a Televisão tem na nossa sociedade, principalmente sobre as crianças. O sociólogo italiano Giovanni Sartori surgiu com o conceito de homo videns como uma forma limitativa de caracterizar a nossa subordinação ao poder que a Televisão tem sobre os indivíduos. Na sua perspectiva, o Ser Humano deixou de evoluir desde os meados do século XX, tendo-se tornado demasiado concentrado no acto de ver e não no acto de raciocinar: a predisposição para reconhecer imagens sobrepôs-se à capacidade de pensamento abstracto. As suas teorias, interessantes mas altamente discutíveis, encontram-se em consonância com algumas distopias da ficção científica, nomeadamente as sociedades pautadas pelo estrito controlo do fluxo de informação como sugeridas por autores George Orwell ou Aldous Huxley.

Em 1995, o realizador Godfrey Reggio (Koyaanisqatsi, Powaqqatsi, Nagoyqatsi) criou um curto - porém perturbador - documentário sobre o poder de abstracção que as imagens projectadas do canhão de electrões do televisor podem criar numa criança. As expressões faciais desconcertantes sugerem, num registo mais Kuleshoviano, que as crianças estão a testemunhar algo de verdadeiramente chocante quando na verdade este grupo apenas assistia ao filme de animação Dumbo (Disney, 1941). Adicionando um poderoso tema de Phillip Glass à equação, EVIDENCE acaba por criar uma figura espelhada onde o próprio espectador replica a perplexidade dos protagonistas - claramente o tema central deste exercício fílmico.

Também no acto de interagir com um videojogo (ludens e videns) presenciamos o mesmo género de abstracção, em casos onde a elevada alienação do jogador ou receptor permite a abertura de um canal directo entre a nossa mente e a virtualidade dos contextos que emanam do ecrã. Trata-se de um estado consciente mas em certa medida equiparável ao do sono: basta visitar alguns estudos sobre as posições físicas e expressões faciais adoptadas durante este período de indolência para compreender a analogia.

Não desenvolvendo o tema em demasia, a um nível a que sem dúvida merecia ser tratado, proponho a questão: até que ponto podemos considerar este estado de enlevo prejudicial? No caso apresentado por Sartori, a acusação recai sobre o reconhecimento do poder das emissões televisivas e do controlo do seu nível subversivo, como por exemplo no caso da propaganda política e de ideologias. Por outro lado, muitos especialistas na área da psicologia da educação reconhecem os atributos da educação audiovisual como meio funcional de aprendizagem e de comunicação. Quer parecer que não é tanto o meio em si que deve ser questionado, mas sim a qualidade e natureza dos conteúdos partilhados. Mais uma vez se podem encontrar pontos de contacto comuns com os jogos de vídeo, como mecanismos veiculadores de informação excepcionais: e se alguém ousar pensar que os videojogos ainda não foram manchados pela ocasional e reprovável manobra propagandista, então que reveja todo o historial de íntimas ligações entre as forças armadas Norte-Americanas e alguns dos mais populares estúdios de criação de jogos. Em determinados géneros vídeo lúdicos, a tendência aponta para uma relação ainda mais estreita onde o jogo reflecte menos a visão pessoal e artística de um autor ou grupo de autores em detrimento da difusão de ideais comuns a grandes organizações ou até nações.


Tuesday, January 15, 2008

Axios 02 /Drag-On Dragoon/




Iniciado como PROJECT DRAGONSPHERE, DRAKENGARD (ou DRAG-ON DRAGOON, no Japão) é um título da Cavia, uma pequena equipa criada por antigos membros de grandes estúdios como a NAMCO. Originalmente proposto para publicação à Enix, o jogo acabou por ser lançado após a fusão com a Squaresoft, tendo assim beneficiado de um lançamento mundial e localizado para várias línguas por mão da Square-Enix a partir de 2003.

DRAKENGARD pode ser descrito como uma peculiar mescla entre as batalhas em campo aberto de DYNASTY WARRIORS, a mecânica de combate de um shooter 3D e a sublime estética de PANZER DRAGOON. A aventura de Caim e Angelus, o dragão com quem fez um pacto em troca da sua voz (alma), encontra-se acompanhada pelo extraordinário trabalho de Takayuki Aihara e Nobuyoshi Sano, uma das mais estranhas abordagens à tarefa de compor uma obra musical para um título de tom épico.




Lançada em dois volumes separados, a anárquica banda sonora de DRAG-ON DRAGOON consiste, estruturalmente, na colagem de uma série de trechos de grandes obras da música erudita. Esta amálgama extravagante de samples incessantes e cíclicos, abruptamente inseridos e frequentemente fora de tempo, inclui pedaços da música de autores como Béla Bartók (Concerto para Orquestra, O Mandarim Miraculoso), Claude Debussy (La Mer), Pyotr Ilyich Tchaikovsky (Lago dos Cisnes, Capricho Italiano, O Quebra-Nozes, Romeu E Julieta, etc), Ottorino Respighi (Feste Romane), Gustav Mahler (Sinfonia Nº 5), Rimsky-Korsakov (Capricho Espanhol), Richard Wagner (Crepúsculo dos Deuses, As Valquírias, Tannhäuser), Modest Mussorgsky (Quadros de uma Exposição), Antonín Dvořák (Sinfonia nº 9, Carnaval: Abertura), ou mesmo Gustav Holst (Os Planetas).

Ainda que o recurso a temas de música clássica ou erudita seja um lugar comum na indústria dos videojogos, quer pelo uso directo de grandes temas, quer pela inspiração que estes oferecem aos artistas da actualidade, não me recordo de nenhum outro título cujo acompanhamento musical partilhasse semelhante método, baseado na edição e conjugação desordeira de pequenos extractos de alguma da melhor música produzida pela Humanidade. Takayuki Aihara e Nobuyoshi Sano nunca estiveram associados a qualquer género de trabalho de orquestração e olhando para a sua carreira antes deste DRAKENGARD, apenas encontramos sonoridades electrónicas respectivas a títulos arcade como RIDGE RACER ou TEKKEN.

Um título mais importante na compreensão da escalada profissional de Aihara é o seu trabalho em SOUL EDGE, nomeadamente na remistura dos temas originais da versão coin-op como banda-sonora alternativa na sua versão doméstica: é, inclusivamente, possível de discernir alguns pontos de cruzamento entre esta versão arrange do jogo da NAMCO, efectuado enquanto Aihara ainda trabalhava para a Arika Co. Ltd, e os temas da banda sonora em questão. Um aspecto que se encontra claramente na origem deste projecto é o apreço pelo experimentalismo, numa tentativa de recriar sonoridades épicas para esta epopeia de feição medieval recorrendo a uma requintada selecção musical de grandes artistas. Todos estes temas foram gravados com a Nova Orquestra da Cidade de Tóquio e remisturados, posteriormente, através das ferramentas digitais contemporâneas, resultando num impulso sonoro agressivo e, não raramente, caótico.

O vídeo promocional pode fornecer um bom exemplo para aqueles que estão familiarizados com a obra de
Dvořák, nomeadamente o trabalho de cordas do primeiro andamento (Adagio- Allegro Molto) da obra de 1893 desse herói da composição musical do antigo império austríaco.




Monday, January 14, 2008

Bestial?

Muito antes da Internet se ter tornado um recurso único na divulgação da cultura vídeo lúdica, a revista Bestial! invadia as bancas das tabacarias e quiosques nacionais, corria o ano de 1993. Com uma tiragem muito reduzida, esta publicação terminou após umas poucas edições devido ao seu insucesso num mercado dominado pelas revistas internacionais ou pelas publicações nacionais dedicadas - como é o caso da Mega Force.

No entanto tive a oportunidade de adquirir os últimos dois números (?), relativos a Novembro e Dezembro. Apesar da qualidade dos textos ser inferior - na altura, com 11 anos, não o tinha notado - e da apresentação empalidecer perante a qualidade visual que temos nas revistas actuais, a sua ingenuidade e pureza merecem ser revisitadas. Numa nota mais positiva, a Bestial! vinha impressa em papel grosso e rugoso que durou bastante bem até hoje, razão pela qual custava já na altura 450 escudos. No entanto, não conseguíram escapar do desgaste natural exercido ao longo de quase quinze anos!

Fiz alguns scans da capa do número 4 e de alguns artigos no seu interior.


Capa da edição nº 4.


Artigo MEGA CD.


Análise ao jogo Sonic The Hedgehog 2 para Master System.


(Anúncio da TurboGrafx 16)


Thursday, January 10, 2008

Axios 01 / Mojib-Ribbon /



Immanuel Kant descreveu como poucos a verdadeira significação por detrás dos factores que determinam qualidade estética, na sua pluralidade de manifestações. A abordagem axiológica a um determinado estímulo sensorial compreende a hipótese de um veredicto universal, em complemento da apreciação subjectiva. É possível, desta forma, atribuir um número e qualidade de adjectivações a um estímulo, baseado não só na sua dimensão subjectiva mas também no sentido absoluto. Conceitos como beleza podem evadir o estatuto de juízo pessoal e tornarem-se uma propriedade constitutiva dos objectos, independentemente do sentido característico de cada um. As sensações derivadas desse objecto devem originar prazer, incitando as nossas capacidades de contemplação reflexiva. Aí reside a genuína harmonia da Natureza e da Arte.

Se a qualidade formal do objecto lhe é intrínseca, cabe ao receptor encontrar o equilíbrio na forma como o qualifica e caracteriza. O exemplo de MOJIB-RIBBON, como já tinha sido verificado anteriormente em VIB-RIBBON, é o de um apurado sentido estético que suscita, precisamente, os mais variados pensamentos e sensações no jogador. A sua singularidade no desenho das formas elementares com traços grossos e irregulares sobre um pano de fundo escassamente colorido actua como um subtil complemento aos componentes sonoros que se expressam em inteira conexão com a mecânica do jogo. Inspiradora, a arte audiovisual do jogo de Masaya Matsuura também constitui um exemplo intemporal da suave mescla entre o onirismo bidimensional e a cadência da sua tridimensionalidade.

Wednesday, January 9, 2008

(Yet Another) Stroll Down Memory Lane



Parece-me muito clara a razão pela qual recordamos tantas vezes a nossa infância: ao nos tornarmos adultos, adquirimos um conjunto de responsabilidades das quais não podemos fugir. O nosso mundo torna-se mais aberto a possibilidades, mas este alargar de horizontes implica não só mais liberdades como também as consequências dos nossos actos. Portanto é apenas natural que nos tentemos situar numa memória ou conjuntos de memórias calorosas nos intervalos da vida adulta. É bom manter alguma infância dentro de nós. Por essa razão parti em busca de alguns objectos que significaram horas de felicidade pura naqueles tempos de menos abundância mas de muito mais entusiasmo pelas pequenas coisas.

Muito antes de se ter aventurado no desenho do famoso Gameboy, Gunpei Yokoi começou a sua carreira na Nintendo como criador de brinquedos. Como utilizador comum dos serviços de transportes públicos, Yokoi notou que muitos dos homens de negócios em viagem se distraíam com as suas pequenas máquinas calculadoras, produto muito popular na época. Baseado no seu estudo de mercado in loco, desenhou um modelo de consola muito semelhante a uma máquina de calcular em dimensões e custos de fabrico, mas cujo propósito era o de entreter. O primeiro jogo lançado, BALL, ditou o formato do sistema, com botões de borracha e um ecrã LCD que, em vez de dígitos, se compunha de desenhos predefinidos para todas as situações possíveis.




Ainda que não fossem as primeiras consolas portáteis da história, as Game & Watch foram um enorme sucesso no mercado japonês, tendo sido exportadas mais tarde para venda em todo o mundo. O modelo que eu tive a sorte de poder jogar era o famoso Donkey Kong Jr., baseado no tema do jogo arcade, sequela do jogo original de 1981, onde desta vez era Mario quem tinha enjaulado o gorila trapalhão.

Como aconteceu com muitos outros brinquedos, jogos ou relógios que possuía na altura, não faço a mínima ideia de como perdi esta pequena consola. Poderá ter acabado como uma vítima da minha obsessão infantil de abrir todos os objectos para conhecer o que os fazia funcionar. Contudo, para quê punir-me eternamente por qualquer acto que tenha feito antes dos meus dez anos de idade? O brinquedo serviu o seu propósito: divertir, numa primeira fase, e suscitar o meu interesse em descobrir o que se esconde por detrás da superfície, na segunda e derradeira fase da sua curta existência.


Thursday, January 3, 2008

De "Jordisavant "à estação MIR: À la recherche d'une enfance (jamais) perdu


Para quem cresceu numa pequena vila como eu onde a única biblioteca que existia era itinerária (Calouste Gulbenkian), onde o cinema tinha sessões esporádicas e onde não existia nenhuma loja especializada em música ou jogos de vídeo, é caso para dizer que qualquer pequeno objecto tecnológico despertava o meu interesse.

Já bem depois de ter conhecido o ZX Spectrum, tive um amigo durante a escola preparatória com quem trocava jogos de Master System e Game Gear. Sendo natural de França, esse meu amigo possuía uma série de brinquedos e aparelhos que nunca tinha visto à venda em Portugal, mesmo quando me deslocava às grandes cidades. ORDISAVANT, da YEN, é um desses mitos electrónicos dos inícios dos anos 90 com o qual passei horas e horas de puro divertimento.




Durante muitos anos apenas dispunha de uma televisão em minha casa, portanto o meu tempo para poder jogar consola era relativamente limitado, dado a grande qualidade da grelha de programação da RTP1 e RTP2, e até possivelmente as emissões de abertura da SIC, também conhecido nesta altura como "o terceiro canal" ou simplesmente "a três". Mesmo depois de uma segunda televisão ter entrado em minha casa, as emissões públicas continuavam a dominar a maior parte da sua utilização, daí que procurasse refúgio nas consolas portáteis. Quando este ORDISAVANT me foi emprestado, não pensei utilizá-lo por mais do que umas horas até me fartar. Mal sabia eu do mundo de possibilidades que este pequeno aparelho me iria dar.

Nada me conseguiu distrair, durante semanas, da sensação única do teclado de toque mecânico deste pequeno e portátil computador. A única limitação que este tinha, já na altura, era o facto de possuir um ecrã LCD reduzido e restrito a apenas uma linha de escrita. No entanto, é surpreendente recordar o número de jogos e actividades que permitia.

Juntamente com o pequeno computador vinha um manual de instruções extremamente bem esquematizado - muito superior ao que tinha visto até então para o Spectrum - e que ensinava como utilizar o aparelho, assim como umas noções introdutórias à linguagem BASIC. Ainda que nunca tenha voado acima de um certo limite, devo a esse manual a maioria dos meus conhecimentos básicos sobre linguagens de programação, o seu funcionamento e a lógica dos sistemas informáticos.

Juntamente com a parte de programação, o computador da YEN, ao qual eu chamei, carinhosamente, Jordisavant, como homenagem a essa estrela cadente da música francesa, também vinha equipado de uma ferramenta musical generosa e divertida. É certo que por essa altura já tinha explorado, ou aliás esgotado quase todas as possibilidades de um dos outros objectos da minha infância, o YAMAHA PortaSound PSS-140.




Este sintetizador não só vinha equipado com uma gama de 100 instrumentos diferentes como um drumpad que muito emocionava os meus amigos e familiares pela facilidade com que se tocava. A qualidade de som também era superior à de muitos outros sintetizadores de maior porte e custo, senão porque razão teriam os cosmonautas russos levado este equipamento para a estação espacial MIR como passatempo?


Henk Nieborg



Como é costume, venho notificar os leitores do blog de que a entrevista com o holandês Henk Nieborg já se encontra disponível no site, na secção Perfil. Mais do que um mero fã deste pixel artist, nutro por ele um respeito imenso, em parte derivado das belas referências que me foram dadas dele e do seu colega Erwin Kloibhofer pela minha revista de culto, Super Juegos. Nieborg foi responsável por alguns dos melhores trabalhos da arte digital dos inícios da década de 90 e segue sendo um nome importante na produção de jogos actual. A sua obsessão pelo detalhe, visível em todos os seus jogos, faz dele o Jan van Eyck dos jogos de vídeo, um purista da minúcia absoluta e dos sucessivos retoques até à perfeição.

Michael Land: The Dig



Michael Land é um dos mais importantes compositores musicais associados à indústria dos videojogos. A sua relação de longa data com a LucasArts traduz-se num trabalho ao longo de anos, incluindo a notável banda sonora de THE CURSE OF MONKEY ISLAND ou, mais importante neste caso, THE DIG. Para aqueles que ainda não tiveram a hipótese de jogar o jogo, é possível descarregar uma versão de demonstração, assim como a banda sonora e aproveitar para ler uma entrevista com o autor dessa monumental obra de musica sintetizada - inteiramente criada nos estúdios da LucasArts.

Obrigado ao site The Dig Museum por disponibilizar tantos conteúdos, apesar de ainda se encontrar em construção.